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domingo, 25 de janeiro de 2015

Boca do Céu - Capítulo 6 - 1978, o Ano do Bourréebach, um Ano Difícil - Por Luiz Domingues

o tivemos mais apresentações em novembro e dezembro de 1977, e com certeza haveria uma quebra de ensaios motivada pelas festas de final de ano, viagens de férias e pasmem, exames escolares... ou seja, esse tipo de preocupação juvenil ainda permeava fortemente as nossas vidas como adolescentes que éramos, e certamente foi um fator preponderante para atrapalhar as nossas ações em prol da banda. 
Para aproveitar esse ensejo, vou contar uma pequena história particular, ocorrida dessa época, e que impressionou-me bastante, pois ilustra como ainda vivíamos uma defasada "Era" hippie, e aquariana, em 1977: eu estava a dirigir-me para o ensaio da banda, quando cheguei ao terminal de ônibus da estação, Vila Mariana do Metrô. Subitamente, vi um freak a carregar um “case”(estojo) de guitarra, a caminhar em minha direção. 

Quando aproximou-se, vi que era um sujeito bem mais velho do que eu na ocasião, que era só um adolescente. O sujeito continha o cabelo até a cintura, com barba e bigode, a parecer com aqueles freaks alemães da cena do “Krautrock” setentista. 

Quando esse hippie estava bem perto de mim na calçada, ele mirou-me e gesticulou o sinal de paz e amor, ao que respondi-lhe prontamente. De fato, foi mesmo um código aquariano, e lindo entre pessoas que identificavam-se ideologicamente, a estabelecer uma cumplicidade em torno de uma natural fraternidade. 

Muitos anos depois, o Jô Soares começou o seu Talk-Show no SBT, ainda com o nome: "Jô Onze e Meia", e ao seguir a linha de Talk-Shows norte-americanos, introduziu a presença de uma banda de apoio no programa. Quando vejo o guitarrista de tal banda em ação, a tratar-se de um cabeludo circunspecto e enigmático, lembrei-me imediatamente que ele fora o tal freak que cumprimentou-me na estação do Metrô, em 1977...
Mundo pequeno! Foi o Rubinho, o guitarrista freak. Ele faleceu em 1998 ou 1999, não sei ao certo. Essa história ilustra um pouco, além das outras que já contei, o clima “woodstockeano” que ainda existia em 1977, mas que infelizmente estava a dissolver-se...
E para visar dar uma sacudida no grupo, o Laert propôs uma mudança de nome para a banda, ao buscar oferecer um verniz mais artístico, e condizente ao que pretendíamos. 

Uma lista foi elaborada e diante de várias opções, surgiu a ideia de "Bourréebach". A intenção foi buscar a junção das palavras Bourrée (nossa influência nesse caso, foi a música gravada pelo Jethro Tull, no LP "Stand Up", baseada na peça de Bach), e do nome do próprio compositor germânico, Johann Sebastian Bach. 
O neologismo pareceu bonito, mas na verdade se mostrava pomposo e pretensioso demais para uma banda de adolescentes que evoluíam lentamente, e portanto, ao adotar um nome desses, dava-se a impressão de que éramos músicos de alto nível a realizar Rock Progressivo com desenvoltura, e certamente com formação erudita sólida. E não foi o caso, obviamente.

Uma coisa foi certa: entre a presunção de um nome pomposo, e um nome tolo como "Boca do Céu", hoje em dia acho que nesse aspecto, acertamos na decisão adotada, ao menos se pensarmos no que pretendíamos naquela ocasião. 

Foi uma pena que o Bourréebach teve menos chances doravante, e o seu início propiciou a etapa final da banda, rumo à extinção. Na verdade, a banda passou por um lento processo de apuração, a afunilar-se em um ponto onde quem realmente estava determinado a seguir na música, ao menos naquele instante, assim o fez, ao tomar direções diferentes, após o seu gradual desmanche. 

É bem verdade, o nome: "Boca do Céu" hoje em dia tomaria outra conotação inimaginável em 1977: "Céu" poderia ser uma dessa escolas de periferia batizadas com esse nome (“CEU", como sigla e sem acento, logicamente), e "Boca", obviamente relacionada ao tráfico de drogas... portanto, hoje (2016), caberia bem sob um famigerado, "Bonde de Funk", se analisado ao pé da letra.

Tomamos então a decisão em assumir o novo nome na virada do ano e assim, em 1° de janeiro de 1978, surgiu o Bourréebach!

A primeira determinação adotada ante tal reformulação da banda, foi a de marcarmos uma nova apresentação, na data de aniversário do nosso baterista, Fran Sérpico, que também representaria um ano da primeira apresentação da nossa banda. 
O baterista do Boca do Céu/Bourréebach, Fran Sérpico, em foto bem mais atual, dos anos 2000

Foi questão de honra para nós, que essa nova apresentação fosse uma espécie de "tour de force", a demonstrar à todos, e principalmente à nós mesmos, que nesses doze meses, havíamos evoluído, em todos os sentidos. Portanto, com esse objetivo em vista, tivemos uma nova energia, através de uma nova motivação. 

Nesse ínterim, uma nova viagem recreativa para a cidade litorânea de Itanhaém foi marcada, onde ensaiaríamos (acusticamente, claro), e teríamos tempo para conversar bastante sobre esse show.
Batizamos essa nova viagem como: "Itanhaém II", e desta feita, a banda inteira esteve presente, além de Sidnei Miranda, o primo freak, e mais velho do Wilton Rentero, cheio de histórias boas para contar sobre os anos 1960, e um convidado de última hora, um argentino chamado, Ribarique, que dizia-nos ser um "Bluesman". 

Dessa viagem, lembro-me de ouvir incansáveis vezes o LP "News of the World", do Queen, que havia acabado de sair no Brasil, e o Osvaldo Vicino tratou de gravá-lo, e levar a fita K7 para a praia.
Lembro-me também de uma caminhada monstruosa que fizemos, quando de praia em praia, fomos parar quase na cidade vizinha. Garotos malucos que éramos!

De volta para São Paulo, reafirmamos os esforços para o grande show que planejávamos e que nós batizamos como: "Fran's Birthday II". O repertório nessa nova fase da banda, esteve composto pelas seguintes músicas:

1) O Mundo de Hoje (Laert/Osvaldo/Luiz)
2) Diva (Laert)
3) Serena (Osvaldo/Laert)
4) Blues Sem Nome (Wilton)
5) 1967 (Laert/Luiz)
6) O Que Resta é a Canção (Osvaldo)
7) Momento (Laert/Fran)
8) Ah, Se Você Soubesse...(Laert)
9) Consenso Geral (Laert)
10) Revirada (Wilton/Laert)
11) Mina de Escola (Osvaldo/Laert/Luiz)
12) Centro de Loucos (Laert/Osvaldo)

Combinamos em tocar, também, uma versão de música: "A Day in the Life", dos Beatles, obviamente sob um arranjo rústico, sem nem um por cento da sofisticação dos seus criadores. E assim transcorreu o nosso mês de janeiro de 1978...
De volta do litoral, onde passamos tais dias marcados por ensaios informais e conversas, concentramo-nos nos ensaios oficiais. Queríamos logicamente causar uma impressão melhor, também no quesito do equipamento, e dessa forma, saímos à cata de aparelhagem emprestada.

O Laert ousou, e do próprio bolso, alugou um órgão. A ideia seria alugar um órgão Hammond (com caixa Leslie e tudo), mas diante do exorbitante valor cobrado, contentou-se com um bem mais modesto, "Gambit", mesmo, a tratar-se de um instrumento limitado, para uso doméstico e amador, geralmente visto em igrejas evangélicas. 

Preocupante foi o sumiço do Wilton, que não compareceu aos ensaios, e deixou-nos bastante apreensivos. Quando chegou o grande dia, ficamos bem chateados, pois ele realmente não compareceu. Foi uma perda irreparável, mas convenhamos, éramos todos muito jovens, e o grau de comprometimento variava conforme a vontade e expectativa de cada um, naturalmente. 

O show aconteceu no dia 11 de fevereiro de 1978, no mesmo local do realizado espetáculo realizado no ano anterior, e foi marcado por contrastes. O primeiro ponto, foi a questão da ascensão nossa como conjunto e individualmente, como músicos. Todos haviam evoluído em um ano, talvez um pouco menos em relação ao colega, Fran Sérpico, que relutava para fazer aulas, e pouco avançara como baterista, porém, certamente que ele já pensava em tomar outro rumo em sua vida. 

O segundo ponto foi a óbvia melhoria na qualidade das músicas novas, que naturalmente acompanharam a evolução técnica da maioria. E o terceiro e muito negativo aspecto, foi a ausência do Wilton, nessa apresentação, pois com ele na banda, o som encorpava e sem a sua presença, apesar da nítida evolução do Osvaldo, e a minha, igualmente (e mesmo com o Laert a tocar teclados), esvaziava-se.
O show foi encurtado, pois ao tocarmos ao ar livre, fomos sabotados por uma chuva súbita de verão. Dessa maneira, tornou-se providencial a intempérie da natureza, pois estávamos chateados a tocar sem o Wilton, desapontou-nos naquele instante. 

Devido ao tempo chuvoso, a festa em si também ficou aquém do ano interior, pois apenas vinte e cinco convidados compareceram. Lamento muito não haver filmagem, tampouco fotos. 

O Laert lastimou demais ter que devolver o órgão, pagar o aluguel e o transporte, e ter tocado pouquíssimas músicas, devido à chuva. 

E sobre a falta do nosso colega, poucos dias após o show: "Fran's Birthday II", o amigo, Wilton Rentero procurou-nos, e comunicou a sua decisão de sair da banda. A sua justificativa foi baseada na sua decisão pessoal, no sentido de que o seu caminho seria o do violão clássico, e que havia tomado tal resolução em estudar com afinco, dali em diante.
Ficamos muito chateados, pois ele era o melhor músico da banda, e sua presença encorpava o nosso som. Mas fazer o que?
Não pudemos contra-argumentar, pois não tivemos nenhum poder de barganha. Naquele momento, não houve perspectivas melhores do que participarmos de festivais colegiais, e shows de pequeno porte. E a nossa melhora técnica, apesar de nítida, era ao mesmo tempo lenta ao projetar-se o que almejávamos. 

Então, de volta a sermos um quarteto, resolvemos aproveitar a deixa e dar um ultimato ao baterista, Fran Sérpico: ou ele entraria em uma escola de música e começaria e estudar, ou teria que sair da banda, pois estávamos preocupados em vê-lo sem evolução mais palpável, e assim a manter-se atrás dos demais, e certamente a prejudicar, por conseguinte, a evolução da banda. 

Ele sentiu-se pressionado, certamente, e alguns dias depois, fez a sua escolha, ao deixar a banda e justificar a sua decisão pelo fato de estar sem tempo para estudar o instrumento, devido aos estudos formais, e que realmente estava determinado a entrar em uma faculdade e estudar com afinco. Bem, situação desagradável para a banda chata, mas foi melhor para ambos, Fran e banda, certamente, pois a despeito dele ser muito bom companheiro, chegáramos em um ponto crucial onde houve a necessidade de tomar-se resoluções de vida, com cada um ali envolvido, e assim, não foi mais possível conduzir-se mais a banda como uma atividade secundária, doravante. 

Reduzidos a um trio, combinamos continuar firmes no propósito, eu, Luiz, Osvaldo Vicino e Laert Júlio, futuro “Sarrumor”. Nesse ínterim, o Osvaldo aproveitou para reafirmar que não gostaria de ter um segundo guitarrista na banda e que desejava doravante ser o "lead guitar" da nossa banda, como nos primórdios. Então, com o Laert determinado a assumir-se como tecladista, achávamos que estaríamos supridos harmonicamente, portanto, a nossa decisão naquele momento, de fevereiro de 1978, foi no sentido de encontrarmos um novo baterista, e tocar a carreira para a frente.
Começamos a procurar então, e ao mesmo tempo, mantínhamos ensaios improvisados entre nós três remanescentes, e atentos às oportunidades para inscrever a banda em festivais. E assim se procedeu nos meses de março, abril, e maio de 1978. Uma luz no final do túnel, só apareceu em junho. 
Por outro lado, se o panorama da banda foi forjado sob incertezas, uma questão muito significativa nesse início de 1978, foi que eu notei ter deixado para trás o espectro incômodo de ser um músico iniciante, incrivelmente limitado. Eu havia enfim rompido essa barreira terrível de um reles principiante e senti-me muito mais seguro como baixista.  
 
Nessa altura, eu já havia tirado diversas músicas de discos que apreciava. Portanto, já executava com boa destreza as linhas de baixo criadas por ótimos baixistas ao tocar por cima de discos do “Led Zeppelin”, “Deep Purple, “Focus”, “The Allman Brothers Band”, e diversas outras bandas, o que realmente configurou que eu houvera melhorado muito.  
 
E posso afirmar o mesmo do Osvaldo Vicino. Ele que no início foi o melhor e mais experiente músico da banda, também mostrava bastante evolução, mas por outro lado, sutilmente começou a demonstrar também, sinais de afastamento (um triste paradoxo ante a sua evolução como músico, eu diria), conforme relatarei melhor, logo mais.
Para aproveitar essa reformulação na banda, estávamos a preparar novas músicas e sabíamos que se aparecesse uma oportunidade para tocarmos ao vivo, nós poderíamos contar com o baterista, Cido Trindade, este, meu amigo de bairro e que tornara-se amigos dos demais companheiros da minha banda, igualmente. 

Ele havia colocado-se à disposição, pois tinha notado que evoluíramos e estávamos em um estágio mais compatível com o dele, que era mais experiente àquela altura. E resolvemos também dar uma cartada diferente para o futuro da banda. Por sugestão do Laert, passamos a procurar por vocalistas femininas. A ideia seria o Laert assumir mais os teclados, cantar menos músicas, deixar uma mulher como principal vocalista e consequentemente, a assumir-se como uma “frontwoman”. 

Essa foi uma obsessão do Laert que era (é) apaixonado pela Janis Joplin. Então, colocamos anúncios em revistas da época ("Rock, a História e a Glória", "Pop" e "Música"), e começamos a receber cartas oriundas de candidatas. O Laert também preparou um cartaz com os seus traços em forma de cartoon, bem característicos, e os espalhou em alguns pontos interessantes, como alguns cafés “transados” (gíria da época), certos e estratégicos murais da USP etc. 
Foi então que surgiu uma oportunidade para um show em melhores condições, que foi marcado para junho de 1978. Mesmo indefinidos em relação a uma garota para entrar na banda como cantora, aceitamos o desafio e convocamos o baterista, Cido Trindade para tocar conosco. Esse show foi providenciado pelo Laert, que encaixou a banda para tocar durante um bingo, a ser realizado no pátio do colégio onde ele estudava à época, o Colégio Claretiano, instituição tradicional dirigida por padres católicos, localizado no bairro de Santa Cecília, próximo ao centro de São Paulo.  
 
Claro que animamo-nos, e passamos a ensaiar diante dessa perspectiva. O baterista, Cido Trindade, aceitou o nosso convite, e passou a ensaiar conosco regularmente. Nessa nova fase, voltamos a ensaiar na minha residência, mas desta vez ao tomar o devido cuidado para não fazer do ensaio, um ponto de reuniões freaks, como acontecera em 1977.  
 
O Laert havia fechado com a ideia em tocar teclados o tempo todo nesse show, mas sem um instrumento disponível, limitava-se a participar a cantar nos ensaios e estudava piano isoladamente, ao preparar-se individualmente. Foi o melhor que tivemos.
Ele estudava piano na casa de meus tios, próximo à minha casa (aliás, um gentil oferecimento de meus tios e incentivado pelos meus primos: Marco Antonio, José Rubens, Mara e Alcione Turci, que haviam simpatizado com ele, e ao ir além do fato de apoiarem-me simplesmente, como primo), e também em uma loja da Yamaha em Pinheiros, zona oeste de São Paulo, onde ele usava um órgão, no afã de adaptar-se. Claro que não foi o ideal. O sonho foi contar com um órgão Hammond, com caixa Leslie, próprio, mais um Fender Rhodes (piano elétrico). Mas a realidade foi outra, infelizmente. 
 
O Cido Trindade detinha um nível técnico muito superior ao do Fran Sérpico, que nunca ultrapassou a barreira de iniciante. Com o Cido na banda, o som cresceu, é claro e ele, Cido também reconhecera que havíamos melhorado.
Dessa forma, preparamo-nos até a data marcada: 17 de junho de 1978, um sábado gelado, de fim de outono. Fomos para o show bem ensaiados e confiantes. O Laert novamente desembolsou um bom dinheiro, ao alugar um órgão Yamaha desta vez, e o acordo com o colégio Claretiano, previra que eles providenciassem um P.A. e três amplificadores, para suprir a guitarra, órgão e o baixo.
Chegamos ao colégio no horário marcado, porém, o amadorismo foi total da parte da sua organização, pois o equipamento previsto, para nos dar suporte, simplesmente não estava lá, quando chegamos ao pátio da escola. As horas passavam e só víamos funcionários do colégio a arrumar as mesas para o bingo, realizar ações de faxina e preparar o globo das bolinhas.
 
O equipamento houvera sido alugado de uma banda de bailes, e chegou ao local apenas às nove da noite. Os responsáveis pelo equipamento, chegaram sem nenhuma pressa, a descarregar o caminhão, e montar como se fossem oito horas da manhã, sob uma demonstração de descaso abominável. Claro, um funcionário do colégio veio ao nosso encontro a advertir-nos que estava "cancelado" o soundcheck, e que deveríamos tocar sem preparar o som, assim que recebêssemos a ordem, ou seja, um descaso sem cabimento, como se nós fôssemos os culpados pelo atraso do equipamento.  
 
Nesta altura, os participantes do bingo já lotavam o pátio da instituição e o som dos alto-falantes do colégio, tocava uma trilha que foi de Roberto Carlos a Sidney Magal, a todo o vapor.
Quando os responsáveis pelo equipamento locado sinalizaram que estava tudo ligado, recebemos a ordem para começar, e aí o óbvio consumou-se: adveio uma maçaroca sonora horrível, com um verdadeiro show de microfonias e embolação sonora total, mediante frequências graves, tenebrosas e que o técnico pouco se esforçou para corrigir. 

Mediante tais condições, claro que esteve tudo horrível, e que a monitoração se provou ridícula. Lamentamos muito o ocorrido, pois estávamos preparados para fazer uma boa apresentação, no entanto, saímos do palco com uma sensação de frustração total. O Cido havia levado dois amigos de última hora para tocar percussão conosco. Foi na verdade uma ação completamente desnecessária, e que em nada acrescentaria ao som da banda, mas... estávamos ainda nos anos setenta, e loucuras despropositadas assim eram consideradas normais, e de certa forma, detinham um certo élan, justamente a evocar uma sensação de descompromisso com a formalidade instituída, isso eu entendo.

Antes do bingo começar, tocou-se o Hino Nacional, mas convenhamos, foi algo previsível, pois estávamos em pleno regime fechado, e ali se tratara de um colégio católico, naturalmente conservador. Os amigos freaks do Cido que participaram aleatoriamente foram: Marcão e "Cabelo". Eles tocaram caxixis, cowbell e uma pandeirola. Realmente esses rapazes não acrescentaram nada com a sua percussão inútil, jogada a esmo.
           O saudoso psiquiatra/pensador, José Angelo Gaiarsa

Esse "Cabelo", foi um freak que morava no bairro vizinho ao meu e de Cido, o Belém, na zona leste de São Paulo, e nessa mesma época envolvera-se com uma trupe de Teatro, quando tal turma foi convidada a participar de forma fixa, de um exótico programa da TV Bandeirantes, protagonizado pelo psiquiatra, José Angelo Gaiarsa.
 
Segundo eu soube, essa turma “turbinava a sua percepção” mediante o uso de certos aditivos nos bastidores, pouco antes de entrar no estúdio, e aí a pretensa sessão psicanalítica conduzida pelo Doutor Gaiarsa, tornava-se uma verdadeira farsa, baseada em um festival de besteiras ditas por aqueles hippies cabeludos e com os respectivos olhos vermelhos. 

Quanto ao tal Marcão, eu conhecia-o menos, só de vista, mesmo. E claro, houve uma atenuante nesse episódio inteiro. Se por um lado fomos prejudicados pelo pessoal do equipamento ter chegado horas além do combinado, e por conta desse fato, nós termos sido totalmente derrubados por um som não mixado adequadamente, a realidade foi que o público presente mostrou-se também muito desinteressado, pois o foco ali fora o bingo. 

Além do mais, não foi um público jovem ali presente, mas muito pelo contrário, o público foi formado por pessoas de meia-idade, e muitos idosos, o que caracterizou uma plateia que poderia ser até hostil. Mas como tais pessoas estavam realmente muito focadas no bingo, a verdade é que nem notaram que tocávamos, e dessa forma, aquele som horrível, decorrente de uma mixagem inexistente, não os incomodou, por incrível que pareça.

Isso sem contar o mapa do palco, que foi completamente ridículo. Por uma falha no tablado improvisado como palco, o Cido Trindade teve que deslocar a sua bateria para a frente, longe da linha de amplificadores. Se a monitoração já fora horrível, sem podermos ouvir o baixo, guitarra e teclados, com o som direto dos respectivos amplificadores, no caso do Cido foi piora ainda, pois com os amplificadores longe de sua audição, ele tocou de forma muito insegura, no limite para manter o ritmo no andamento correto. Para quem é baterista, há de saber que tocar dessa forma é um horror.

Apresentamos nessa noite: "Blues Encanto", "Serena" e "Assim Como". O plano seria tocar muito mais músicas, contudo, naquelas condições horríveis, decidimos cortar o show logo no início, a continuar a tocar sob tais condições insalubres. Ficamos chateados logicamente, mas a vida prosseguiu...
Após essa frustrante exibição, seguimos na captura de novos membros para a banda. As melhores vocalistas que apareceram, foram mesmo duas candidatas que escolhemos, a se tratar de Eva, e a Pollyana Alves. A Eva detinha mais emissão vocal, aparentemente e o seu visual pessoal se mostrou mais adequado aos nossos anseios, pela indumentária hippie, mas a despeito da voz da Pollyana Alves ser mais comedida, esta última mantinha uma ótima afinação. 
       Pollyana Alves, em foto bem mais atual, dos anos 2000

O seu visual pessoal era bem-comportado, mais a parecer-se com a Karen Carpenter, do que Grace Slick, para estabelecer uma comparação básica. Ficamos sob uma dúvida muito grande sobre qual das duas escolher, mesmo por que, ambas tinham as suas qualidades bem definidas e dispares entre si. 

Para piorar a nossa indefinição, nas reuniões que tivemos com as duas, elas tornaram-se amigas entre si, e assim, a cada dia ficou mais difícil tomar uma decisão. Foi quando o Laert deu a sugestão de efetivarmos ambas na banda. Foi uma ideia radical em princípio, mas ao pensar bem, não seria uma má solução, com duas vozes femininas, e mais o Laert, quase teríamos a possibilidade de praticar um som a la "The Mamas and The Papas", em tese. 

Para a vaga de bateria, ainda não tínhamos uma perspectiva em vista, mas sabíamos que poderíamos contar com o Cido Trindade, em alguma eventual nova oportunidade que surgisse.
Então, passadas as férias escolares, marcamos um ensaio oficial da nova formação, para o início de agosto. A residência da vocalista Pollyana Alves nos foi oferecida por ela mesma, com total apoio dos seus pais, que ajudavam-na demais, e como não tínhamos ainda um baterista fixo, não houve a necessidade de ensaiarmos na minha residência, imediatamente e até segunda ordem. 

E o argumento definitivo que convenceu-nos sobre sua casa, foi: ela tinha um bom piano e um amplificador de guitarra, disponíveis. Dessa forma, eu e o Osvaldo Vicino tocaríamos plugados no mesmo Bag U65 da Giannini, e o Laert tocaria o piano. A Eva tinha uma pandeirola meia-lua e assim, bingo! O barulho esteve garantido. Foi em um domingo, dia 13 de agosto de 1978, que realizamos o nosso primeiro ensaio. Nesse momento, o Bourréebach esteve formado por Laert, Osvaldo, Luiz, Eva e Pollyana, a faltar apenas um baterista, para fecharmos o sexteto. 

A habitação de Pollyana, era na verdade um apartamento, localizado no Bairro do Limão, na zona norte de São Paulo. Usávamos dois ônibus para chegarmos lá. Ou seja, fico a admirar o fato de que nós tínhamos força de vontade! Gastávamos mais de duas horas, só para chegar lá, e mais duas para voltar, com instrumentos em mãos.
De fato, esse esforço natural, além de mostrar a nossa força de vontade juvenil, ganhou uma motivação extra. Ocorreu que uma nova edição do festival, FICO, aproximara-se, e dessa forma, a toque de caixa, gravamos e inscrevemos quatro músicas para pleitear classificação inicial: "Assim Como", "Desacomodação", "Blues Encanto" e "Consciência Geral", todas compostas pelo Laert.

E nesse ínterim, o mesmo, Laert conheceu um baterista, através de um amigo seu, colega do curso colegial, que estava a finalizar, inclusive. O rapaz chamava-se: José Claudio, e mantinha um nível técnico semelhante ao do Cido Trindade. 
O baterista, José Claudio, algum tempo depois, nos anos oitenta, a atuar com o Violeta de Outono 

Dessa forma, começamos a ensaiar com o novo baterista e a dinâmica com a proximidade do FICO, mudou: aos sábados, ensaiávamos na casa da Pollyana Alves, e aos domingos, voltávamos à minha residência, para ensaiarmos com ele, Zé Claudio. Contudo, como se tratava de uma situação bem efêmera, mal acertávamos a banda, e um novo problema começou a ganhar uma proeminência. Desta vez foi o guitarrista, Osvaldo Vicino, que começou a faltar nos ensaios, de forma repetida. Na realidade, ele já vinha a dar mostras de desgaste há algum tempo, mas nesse momento, às vésperas de uma nova edição do FICO, tornou-se preocupante a sua falta de assiduidade, e pior, o visível ar entediado que começara a tornar-se uma constante em seu semblante.
E o pior aconteceu... não classificamos nenhuma música para o FICO, o que desalentou-nos muito, visto que encaramos esse revés, como um retrocesso. Foi inadmissível que tivéssemos participado em 1977, com muito menos técnica individual de cada um, fora a inexperiência, em contraste com um ano a mais, onde havíamos crescido nesses aspectos. 

Por outro lado, em 1978, pesou contra os nossos planos, a nossa própria desorganização, mediante a troca constante de componentes, e ensaios feitos de uma forma improvisada, algumas vezes com teclado, outras com bateria etc. E o pior de tudo: as gravações que mandamos ao Festival, foram precárias por conta dessas dificuldades citadas. 

Por incrível que pareça, havíamos enviado à comissão do festival, um material melhor em 1977, e nesse aspecto, é claro que merecemos a desclassificação sumária em 1978. Entretanto, surgiu um último cartucho para tentarmos no ano de 1978: haveria um festival realizado pelo Teatro Paulo Eiró, bem mais modesto do que o famoso "Fico", mas que se mostra interessante. Concentramos então as nossas forças no objetivo de participarmos do Festival do Teatro Paulo Eiró, a manter a mesma dinâmica de ensaios.
Conforme eu já havia comentado anteriormente, o nosso guitarrista, Osvaldo Vicino, emitira sinais de dispersão, já há algum tempo, mas nesse segundo semestre, pareceu haver degringolado mesmo, através de sistemáticas faltas em ensaios, e a demonstrar um ar desinteressado nas ocasiões em que participou, a contrastar com o comportamento animado, com força de vontade, que exibiu desde o começo das atividades da nossa banda, em 1976. 

A gota d'água deu-se no dia em que estávamos eu e Laert a dirigirmo-nos para o ensaio, na residência da Pollyana Alves em um sábado, e o vimos a andar em uma rua próxima à Av. Paulista, com os seus cabelos cortados, e a usar um figurino ao estilo do personagem do ator, John Travolta, no filme: "Os Embalos de Sábado à Noite". Dias depois, ele confessou-nos que dirigia-se à uma Discothèque naquelas imediações. Aguentamos essa situação de seu distanciamento, por mais um pouco de tempo, mas a ruptura estava anunciada.
Ao abrir um parêntese, narro que nessa mesma época (setembro de 1978), eu fui com o Laert assistir alguns shows do Festival de Jazz de São Paulo, que causou muito alarde na ocasião. Tratou-se de uma edição do famoso Festival de Montreux, Suíça e muitas atrações internacionais boas desse universo musical, apresentaram-se.

Eu e o Laert (encontramo-nos com Pollyana Alves e a sua irmã, a super simpática, Eliana Rímoli Alves, também ali nos bastidores do festival), fomos ver as apresentações de artistas do quilate de: “Chick Corea”, “John MacLaughlin”, “Patrick Moraz”, “Hermeto Paschoal”, “Egberto Gismonti” etc. Pela TV, nos outros dias em que não fomos prestigiar ao vivo, (fomos em dois dias), eu pude assistir as apresentações de “B.B.King”, “Etta James”, “Al Jarreau” e outros grandes artistas...
Ao ver o show pela TV, constatei que Etta James "causou", por levantar a blusa, e cantar com os seios desnudos, e assim provocar uma reação indignada do comentarista da TV Cultura de São Paulo, Zuza Homem de Mello, que ignorou o show sensacional que ela estava a realizar, para centrar a sua fala em suas impressões moralistas. 
B.B. King foi maravilhoso. Foi a primeira vez que o Rei do Blues veio ao Brasil e todos ficaram maravilhados com a presença do grande mestre a atuar em palco paulistano. Anos depois, ele passou a comer pastel, nas feiras livres de São Paulo, tamanha a quantidade de vezes que veio tocar por aqui, mas naquela época, tratou-se de uma novidade extraordinária.
Nos shows que eu assisti ao vivo, adorei ver a apresentação esfuziante de John MacLaughlin, com três músicos de apoio a formar um quarteto muito afiado. Lembro-me de que na banda dele, o baixista foi o Fernando Saunders, que posteriormente tocou com Jeff Beck, e outras feras. Na bateria, atuou, Tony Franklin, e no violino, L. Shankar, cuja presença aqui, causara furor entre os Hippies locais, por ele ser sobrinho do citarista indiano, Ravi Shankar. Apesar da óbvia influência jazzística, via fusion, esse quarteto detinha pegada Rockers, na tradição do bom Jazz-Rock, setentista e portanto, a tocar com uma volúpia incrível, fora o virtuosismo habitual de cada instrumentista ali presente. 

Chick Corea também foi incrível, embora o seu som ali executado fora mais centrado no Jazz-Fusion. O virtuosismo dele, hipnotizou a plateia e os solos ao sintetizador, Mini-Moog, principalmente, arrancaram uivos dos Rockers presentes na plateia, para desconforto de alguns jazzistas arrogantes, e preconceituosos que esboçaram não apreciar.
O show do tecladista suíço, Patrick Moraz, foi centrado no seu disco solo denominado; "I". O grande atrativo de sua apresentação residira no fato dele ter tido uma meteórica passagem pelo grupo de Rock progressivo, “Yes”, a tocar na formação dessa magnífica banda, na gravação do álbum: "Relayer". 

Claro, se não fosse por esse apelo pregresso, creio que não teria despertado todo esse interesse, pois a sua carreira solo só detinha uma maior relevância até então por essa ligação, e jamais por ter sido ex-tecladista da obscura banda Prog-Rock suíça, "Refugee". 
Pairou também no ar a aura dele ter envolvido-se com a banda Prog Rock carioca, "Vímana", que causou furor no meio Rocker brasileiro daquele instante. 

E um fato inusitado ocorreu no show do Patrick Moraz: uma canja do guitarrista, Sérgio Dias, dos Mutantes, deixou um mal-estar no ar. Quando o Sérgio entrou no palco, ficou nítida a impressão que aquilo fora improvisado, com roadies a empurrar o seu amplificador às pressas, e o Sérgio a surgir "do nada", para plugar a sua guitarra, e sair a solar a esmo. O Patrick Moraz pareceu ter ficado assustado com a situação, e denotou-nos a impressão, outrossim, de que fora surpreendido, e não gostara da intervenção. 

Todavia, mesmo com esse mal-estar no ar, particularmente eu achei que foi o ponto alto da apresentação (pasmem!). Pois fato notório, a performance estava entediante com Moraz apenas a tocar piano acústico, acompanhado de percussionistas de uma Escola de Samba, conduzida pelo percussionista brasileiro, Djalma Correa. Fãs do Yes frustraram-se muito com a insipidez musical de Moraz, naquela noite. É claro, pode ter sido uma impressão apenas de alguns, eu incluso e que alguém tenha tido uma outra opinião, mas pelo que eu ouvi à minha volta, foi uma apresentação insípida.
De volta a falar da minha banda, infelizmente, nos últimos meses de 1978, as faltas do Osvaldo chegaram a um patamar insuportável, e na iminência do prazo limite para enviarmos o nosso material ao comitê do festival do Teatro Paulo Eiró, resolvemos desistir de enviá-lo. Ficamos chateados mais uma vez, pois significou-nos mais uma derrota. 

Ao mesmo tempo em que eu e Laert melhorávamos, a banda andara para trás, com a desanimação do Osvaldo, e a falta de comprometimento mais incisivo do Zé Claudio. Este último, não faltava nos ensaios, mas ficara nítida a percepção que tínhamos, eu e Laert, que ele não vestia a camisa da banda com afinco, e estava ali só para ver o que poderia render. Tudo bem, foi um direito dele pensar e agir assim a valorizar os seus interesses pessoais, mas não foi o que desejávamos, ainda mais com o Osvaldo a entrar em uma fase de distanciamento do nosso grupo. 
Osvaldo Vicino em foto ao lado de sua amiga, Cristine Eweel. Acervo e cortesia de Osvaldo Vicino                  

Dessa forma, resolvemos adotar o mesmo procedimento que havíamos tido em relação ao baterista, Fran Sérpico, no início do ano, e marcamos um encontro com o Osvaldo, para que ele esclarecesse o motivo de suas faltas constantes e aparente desânimo. 

E tudo esclareceu-se da pior maneira para a nossa banda. Ele foi honesto, e disse-nos que não estava mais com vontade de tocar, pois estava a namorar, e assim, ao focar em outras motivações na sua vida, naquele momento. Portanto, foi mais que um distanciamento da banda, ele estava a distanciar-se do próprio Rock, como instituição, ideal e modo de vida, essa foi a nossa interpretação à época. 

Nesses termos, se tornou impossível contra-argumentar, e foi assim, que o membro fundador, e iniciador da primeira fagulha, partiu. Fiquei chateado, é claro. Na prática, o Osvaldo foi o amigo que abriu-me a primeira porta na música. Se isso borbulhava loucamente na minha cabeça há anos, concretamente a falar, eu só fui engajar-me mesmo a partir do convite dele, em um dia qualquer de abril de 1976. 

Antes dessa ação concreta, apenas houve o sonho formatado na mente, e a posteriori, formulações fictícias a partir de 1975, quando formei duas bandas que nunca chegaram nem perto de um instrumento musical (Satanaz e Medusa). Aquilo fora apenas uma ideia abstrata e embora chegássemos a compor horríveis músicas, apenas na base de melodias e letras bisonhas, sem a intervenção de instrumentos, foi somente a partir daí, que eu fui engajar-me com a música (Boca do Céu), pois o Osvaldo já tocava e tinha uma guitarra real em mãos... mas, ante a sua decisão final, o que eu ou Laert poderíamos fazer? 

O amigo entrou em outra vibração, cortou o cabelo, passou a frequentar uma outra ambientação a frequentar Discothéques. Se perdeu o vínculo primordial de 1976 (na verdade não perdeu, muitos anos depois eu tive o prazer de saber disso), nada poderíamos fazer, a não ser acatar a sua decisão, e tocar a vida para a frente. O Zé Claudio, por incrível que pareça, surpreendeu-nos, pois aceitou prosseguir, mesmo com a saída do Osvaldo. Dele que tivemos a impressão de ser um rapaz alheio, ficou essa surpresa. 
As garotas também ficaram divididas com a saída do Osvaldo. Se com ele entre nós, as perspectivas estavam difíceis, com a desclassificação prévia do FICO, e a nossa própria desistência em relação ao festival do Teatro Paulo Eiró, precipitara uma sensação amarga de desânimo, também sobre elas. Dessa forma, nem Eva, nem Pollyana Alves ficaram... portanto, perdemos Janis Joplin e Karen Carpenter, de uma só vez!

Ao final do ano, o Laert estava também preocupado com o seu processo em submeter-se ao exame vestibular, e a precisar estudar, por dedução lógica e eu, estive às voltas com o alistamento militar. Nesse aspecto, eu estava na quarta chamada, e já havia até tirado medidas de farda, capacete e coturno. Uma quinta e decisiva chamada dessa corporação estava marcada para janeiro de 1979, e seria uma perspectiva sombria ter que servir o exército, pois poderia atrapalhar-me, e muito, em meus planos para seguir como componente da banda.
E assim encerrou-se 1978, um ano muito difícil para o Boca do Céu/Bourréebach, onde só tivemos revés, adversidades, perdas, e andamos para trás, praticamente a perder a evolução que tivéramos em 1977. 

Vale lembrar que o ano de 1978 foi difícil também por muitos aspectos pessoais, e sócio/comportamentais. No campo pessoal, foi o ano em que o meu pai começou a notar que aquela predisposição para fazer parte de uma banda de Rock, não fora um capricho juvenil e passageiro, como uma delírio ingênuo da parte de um adolescente, e dessa forma, ele começou a pressionar-me a adotar a direção oposta, com questionamentos sobre eu cortar o meu cabelo, mudar o modo de vestir-se, pensar em procurar um emprego formal e claro, cursar uma faculdade etc. 

Sem dúvida, uma linha de posicionamentos normal de qualquer pai tradicional e pautado por valores conservadores. E hoje, neste momento em que publico este trecho da minha autobiografia (2015), e que ostento bem mais vivência do que a idade dele naquela época, posso entender perfeitamente a sua preocupação para comigo, porém, à época, foi um conflito e tanto, visto que aqueles questionamentos aviltavam fortemente os meus sonhos, convicções etc.
E um outro ponto triste, foi a guinada estética que o sinal dos tempos trouxe no campo do Rock. O Rock brasileiro desmanchava-se em 1978. Os ventos da "revolução" punk começavam a soprar por aqui, no Brasil, e todas as suas consequências pareceram apodrecer todos os meus alicerces Rockers mais caros. 

Muitos amigos meus saíram a correr pelos sebos, para vender os seus LP's de Rock, muitos, para não dizer a maioria, correram aos salões de barbearia, e rasparam as suas respectivas longas cabeleiras. Nesse clima de derrocada de nossos valores, eu senti-me isolado, ao verificar aquela manifestação toda, com a estupefação de quem assiste de camarote, o fim do mundo. 

Por que eu deveria aderir àquela estética pautada pelo viés do anti-Rock? Pelo modismo em voga? Ora, logo eu que por natureza sou avesso aos modismos de ocasião! 

As primeiras notícias que eu li sobre o movimento punk, causaram-me absoluta ojeriza. O que para muitos, representou uma novidade libertadora, esfuziante, foi na minha percepção um sinal incrível de decadência; desolação; retrocesso, e na prática a revelar-se como algo regressivo a demarcar a retaguarda, portanto, a minha percepção pessoal foi diametralmente oposta em relação às pessoas que encantaram-se com o movimento ao enxergá-lo como uma manifesto de vanguarda, a apontar o futuro. Na minha ótica, representara justamente o contrário, a apontar para uma espécie de volta à Idade Média
Gentle Giant e T.Rex, duas bandas separadas pela sofisticação e a simplicidade e eu gosto de ambas. 

No estrito âmbito musical, a ideia de se tocar simples, sem sofisticação musical alguma, soava-me normal e passível de convivência pacífica em minha concepção. Na minha estante de discos, conviviam harmonicamente os discos do Gentle Giant, com o seu Prog-Rock ultra sofisticado, ao mesmo tempo que o som cru, e quase mal tocado pelo T.Rex. E no caso de ambos, eu chamava-os como: Rock, sem nenhum conflito entre si. 

Mas a reboque desses entusiasmados rapazes que não sabiam tocar instrumentos musicais, veio toda uma mística perpetrada por marqueteiros e jornalistas, a trazer a maldita ideia do niilismo e deixo bem claro, a péssima interpretação desse conceito. Esse é o grande ponto nevrálgico dessa questão, desse rompimento. Eu nunca acreditei no niilismo como padrão de procedimento. Não acredito que uma estética deva ser aniquilada, para que outra surja renovada. 

Eu era apenas um adolescente com dezoito anos de idade na ocasião, mas esse sentimento já mostrava-se cristalino no meu entendimento e daí, foi difícil ver o estrago que essa terrível mentalidade imposta, ditatorialmente, causou ao Rock, com respingos em outras áreas, também. 

Foi em janeiro de 1978, que eu tomei contato pela primeira vez com essas ideias de Malcolm McLaren e seus seguidores, ao ler uma matéria sobre tal assunto em uma revista especializada. Mais ou menos em setembro de 1978, eu fui ao MIS (Museu da Imagem e do Som), e assisti um documentário sobre o Punk-Rock. A maioria das pessoas saiu muito entusiasmada da sala de cinema, mas eu saí deprimido com aqueles conceitos. Por que eu deveria passar a odiar os Beatles, como eles pregavam? Por que?
E no meio dessa desolação, hoje em dia eu enxergo um aspecto pessoal benéfico, ao menos. Foi preciso ter uma vontade obstinada para seguir em frente, pois tudo apontara para o "Fim do Sonho". 

A frase deslocada de um outro conceito, oriunda da letra da música: "God", do John Lennon, foi usada à exaustão pelos jornalistas e publicitários mal-intencionados, a gerar uma formação de opinião, bastante devastadora. Por conta dessa predisposição, cansei de ouvir a frase: "o sonho acabou", seguido do indefectível sorriso irônico da parte dos detratores do Rock, e contracultura dos anos sessenta. 

Regozijavam-se do nosso sonho ter acabado e ofereceram-nos o que em troca? O pesadelo punk da truculência, da péssima música e uma série interminável de valores terríveis, que ditaram as tendências nos anos 1980, e esparramam-se como praga, até hoje. 

Mas nem todos encantaram-se com essa "revolução pusilânime". Pois muitos bandearam-se para o Jazz-Rock, Fusion, e outros tantos foram engajar-se de cabeça na MPB, que ainda mantinha ventos hippies. Lembro-me por exemplo de ter visto inúmeros shows de MPB nessa fase, entre 1978 e 1981. Presenciei espetáculos de artistas do mais alto quilate, tais como: Elis Regina, Fagner, Sá & Guarabyra, Caetano, Gilberto Gil, Beto Guedes, Zé Ramalho, Moraes Moreira, Milton Nascimento, e até medalhões da velha guarda, como Jackson do Pandeiro, Demônios da Garoa etc. 
Um dos shows mais estimulantes que eu vi no campo da MPB, nessa época, foi um do Beto Guedes em 1978, no teatro da GV (Fundação Getúlio Vargas), na Av. 9 de julho, para o lançamento do seu álbum: "A Página do Relâmpago Elétrico". Casa abarrotada, lembro-me de pessoas acomodadas pelos corredores, escadas etc. Curiosidade: perto de meus amigos e eu, estavam dois jogadores famosos do Corinthians, e acompanhados de belas mulheres: Wladimir e Solito. Quem acompanha o futebol, há de lembrar-se dos dois. O show foi impecável, e o som do Beto detinha arranjos complexos, certamente influenciados pelo Rock progressivo setentista.
E como multi-instrumentista, ele tocou baixo em várias músicas, e deixou todo mundo boquiaberto com o som incrível que extraiu de um belo Rickenbacker de cor creme (“mapleglow”), igual ao do Chris Squire, do “Yes”, e assim arrancou suspiros dos corações “proggers” ali machucados pelo intenso vilipêndio, com toda aquela desolação punk que assolava-nos ao final de década de setenta. 

Continua...

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